ConJur 20 Anos

04/08/2017 Ano XX

ConJur nasceu da necessidade de explicar a nova realidade de um país

Três amigos papeavam animados em um boteco nas imediações da Avenida Paulista dias atrás.Um quarto amigo chegou atrasado, esbaforido, de gravata torta, com cara de quem precisava evitar uma tragédia iminente. Saudou o grupo com um — E ai?!, sentou-se e procurou o garçom:

– Chefe, qual a senha do Wi-Fi?

Quase derrubaram a mesa. “O %#@!&*!# chega duas horas depois e já pega o celular! Larga essa &%@!# dois minutos, velho!”, gritavam, em meio a outros tantos xingamentos. O atrasado foi para a mesa ao lado mexer no seu smartphone, de olhos arregalados. E o trio original começou a lembrar como era o mundo antes do Wi-Fi. “Que saudades do tempo em que a gente saía do trabalho e não conseguia mais acessar a internet.”

Não demorou, um deles puxou o celular devidamente conectado – a hipocrisia é irmã do bullying– e buscou: “som de internet discada”. Para quem não se lembra, era assim. Este som traz muitas lembranças a quem, como eu, já passou dos 40 anos. Há 20 anos, o ápice da tecnologia de comunicação para os mortais eram os pagers – de preferência, pendurados na cintura.

Na minha memória auditiva, o som traz a expressão ConJur, as muitas reportagens escritas e pequenas aventuras vividas graças ao fato de eu ter começado minha carreira na revista eletrônica (era difícil entender o que era um site àquela época) ainda nos seus primeiros meses de nascimento. Em setembro de 1997, quando escrevi meu primeiro texto neste site, a Consultor Jurídico engatinhava na Internet. E eu, no jornalismo.

A ConJur nasceu de uma necessidade: a de explicar a nova realidade de um país em que o Poder Judiciário deixa de ser um ator coadjuvante no cenário nacional e passa a ser um dos seus mais importantes protagonistas. Uma realidade em que o Ministério Público deixa de ser quase um braço auxiliar do Poder Executivo e ganha um status que lhe permitiu hipertrofiar seus músculos a ponto de se tornar praticamente imbatível. Um cenário em que se exaltavam a liberdade, a cidadania, os direitos trazidos pela Constituição de 1988, que não havia completado 10 anos sequer.

Como bem anotou o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, em entrevista concedida a este site no dia de sua indicação, depois da Constituição de 1988, o Poder Judiciário se expandiu. Progressivamente, foi deixando de ser um departamento técnico especializado e passou a ser um poder político. As democracias modernas chegaram à conclusão de que um Judiciário forte e independente é importante para garantir as regras do jogo democrático e o respeito aos direitos fundamentais. “Essa foi uma onda mundial”, afirmou Barroso. Esse fato, aliado ao processo de frustração popular com a representação política e a uma nova Constituição Federal garantista e prolixa fez explodir a demanda em busca de justiça.

O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista publicada em 2009, explicou que a democracia jovem do país ainda está aprendendo a conviver com um Judiciário forte e independente, que é a salvaguarda da própria democracia. “Mas o fenômeno também é mundial. Saímos de uma concepção absolutamente individualista do começo do século passado para uma concepção plural, em um mundo globalizado, no final do século. O mundo mudou, os direitos passaram a ser mais exigidos e mais respeitados, os Códigos Civis foram modificados, mudou a legislação de recuperação de empresas, tudo isso em curtíssimo espaço de tempo”.

A ConJur é filha desse contexto e da capacidade de discernimento dos jornalistas João Ozorio de Melo, hoje radicado nos Estados Unidos, e Márcio Chaer, que enxergaram a oportunidade de criar um veículo de comunicação de nicho na área jurídica.

Era uma novidade incrível no mundo jurídico e jornalístico. Um veículo de comunicação sobre Direito e Justiça feito exclusivamente por jornalistas sem formação jurídica. Isso foi motivo de desconfiança de muitos no começo. Perdi as contas de quantas vezes ouvi de advogados, juízes, promotores, escreventes: “Ah, vocês não são advogados? Então, peraí, deixe explicar melhor”. Ou a versão: “Quer que eu escreva um rascunho?”.

No mercado jornalístico, só se combate a desconfiança com informação objetiva. E foi o que a ConJur ofereceu aos seus leitores desde o começo, mesmo quando o conteúdo era produzido por apenas duas pessoas, como aconteceu em seus primeiros meses de vida. O resultado desse trabalho não demorou a ser percebido por jornais e por quem trabalha com Direito. Em pouco tempo, o site era referência em notícia jurídica.

Não havia pauta ruim, desde que fosse bem direcionada ao público jurídico. Decisões que hoje, de tão corriqueiras, quase não são noticiadas, ganhavam destaque nas páginas da ConJur e nas de parceiros como o UOL, que hospedou o site nos primeiros anos.

Um exemplo: em fevereiro de 1999 noticiamos que a Justiça garantiu a dois estudantes de uma escola particular de São Paulo o direito à matrícula mesmo com um ano de atraso no pagamento das mensalidades. A notícia foi uma das manchetes do UOL. Lembro-me de atender telefonemas na redação de pessoas interessadas na decisão e da repercussão que o tema teve na ocasião. O jornalismo ainda tateava no escuro na produção de notícias jurídicas, mas o caminho estava sendo trilhado. Foi a partir desse interesse, inclusive, que passamos a publicar, sempre que possível, a íntegra das decisões judiciais que noticiamos.

Foi aprendendo com os erros e comemorando os acertos que o site afinou sua linha editorial e percebeu a necessidade de seu público leitor. Alguns episódios ilustram bem o caminho percorrido e marcam algumas das decisões editoriais tomadas pela equipe.

Em 10 de agosto de 2005, a ConJur noticiou a decisão do Supremo Tribunal Federal de trancar uma ação penal por sonegação fiscal contra o célebre empresário Roberto Justus. Como bons jornalistas, noticiamos o fato dando destaque à figura do empresário, muito mais do que a detalhes técnicos da decisão. Cerca de meia hora depois de publicada a notícia, um leitor ligou para a redação para nos dar uma bronca.

“Como é que o Supremo afasta a aplicação da Súmula 691 e vocês dão destaque ao Roberto Justus?”, perguntou, indignado. Essa foi uma das broncas que ajudaram a definir a linha editorial do site. Percebemos que para o leitor que estávamos conquistando todos os dias pouco importava se o réu era o Justus ou qualquer outra celebridade. A informação que o interessava era por que o STF decidiu criar uma exceção a uma regra que, até então, era observada com muito rigor. Outra demanda reprimida que o site abraçou foi a de dar voz à defesa.

Com a vocação cada vez mais clara, vieram prêmios, investimento em equipe e tecnologia e, claro, mais responsabilidade. Todo jornalista tem à disposição um ótimo termômetro para medir a repercussão de seu trabalho. O erro. E a ConJur percebeu sua responsabilidade principalmente quando cometeu erros e o telefone não demorou mais do que cinco minutos para tocar com um leitor do outro lado da linha fazendo o papel de ombudsman do site. Numa época em que não havia redes sociais, era por telefone ou e-mail que vinham as críticas. Como resultado, quando completou 10 anos, já era acessada por um milhão de leitores por mês. Hoje, a revista é lida por 3,5 milhões de pessoas por mês.

Um projeto só se torna real graças ao trabalho das pessoas que acreditam nele. Sim, isso é um clichê. Mas o que seria de nós sem os clichês, não é? A ConJur se tornou o que é hoje graças à chegada do jornalista Maurício Cardoso para dirigir a equipe, em 2004. A sensatez, o equilíbrio e a capacidade de administrar de Cardoso aliados ao tirocínio de Chaer consolidaram a marca do site. Trabalhei na ConJur por 12 anos, em quatro diferentes períodos, com muita gente boa – que deixo de citar nominalmente por receio de cometer injustiças. Isso faz do site parte indissociável do que eu sou.

Muita coisa importante aconteceu em 1997. Morreu Darcy Ribeiro, foi assinado o Protocolo de Quioto, Hong Kong foi devolvida à China pela Inglaterra, a Vale foi leiloada e a primeira edição de Harry Potter foi publicada. E nasceu a ConJur, que há de ter ainda muitos anos de vida!

Rodrigo Haidar é jornalista.