ConJur 20 Anos

15/08/2017 Ano XX

Há 10 anos, Anuário da Justiça é instrumento da transparência que facilita acesso ao Judiciário

A ConJur completava 10 anos quando saiu da gráfica a primeira edição do Anuário da Justiça. Com quase 60 mil notícias publicadas e fontes cultivadas ao longo da sua primeira década, em 2007, a equipe da ConJur usou a sua experiência na cobertura diária da Justiça para traçar o perfil das mulheres e dos homens mais influentes do Judiciário, selecionar as decisões de maior impacto na vida do país e indicar tendências na jurisprudência. O Anuário da Justiça abria as portas do Poder Judiciário para a sociedade.

O Judiciário durante um tempo foi uma espécie de caixa preta, um lugar onde as pessoas se moviam com muita dificuldade, sem entender o código de relação, sem entender a lógica. A ConJur e o Anuário ajudaram a desmistificar e a aproximar o Judiciário sobretudo da advocacia”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, durante o lançamento do Anuário da Justiça Brasil 2017.

Uma espécie de ConJur anual, o Anuário fez o caminho inverso de sua matriz original. Ao tempo em que os grandes veículos de imprensa abriram suas edições online, a ConJur, que tem certidão de nascimento totalmente digital, tomou forma em papel.

A publicação nasceu para mostrar o dia a dia dos tribunais, como se organizam, quem são as pessoas que os compõem, em quais horários seus integrantes se reúnem e, principalmente, para dizer como decidem temas de grande interesse nacional e local. Pôde até apresentar o Poder Judiciário aos seus próprios integrantes. O corregedor-geral da Justiça de São Paulo, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, já disse ter consultado a publicação para saber mais sobre colegas de corte.

“Na minha campanha para a Corregedoria-Geral da Justiça, foi o instrumento mais importante que tive para acessar todo o colégio eleitoral. Só isso é necessário para expressar a relevância do Anuário da Justiça”, disse. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem 360 integrantes, sem contar os juízes que atuam em segundo grau, com gabinetes que ficam espalhados por quatro prédios diferentes no centro da cidade. São dois apenas para os desembargadores da Seção de Direito Privado.

Dos 11 ministros retratados na primeira edição, cinco continuam na ativa: Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, além de Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia que haviam acabado de tomar seus assentos na corte. No total, figuraram nas páginas dos 11 Anuários produzidos os perfis de 21 ministros do Supremo – inclusive dois que morreram no exercício do cargo: Menezes Direito, em 2009, e Teori Zavascki, em 2017.

Naquele ano de 2007, a economia estava estabilizada e a atual crise política estava em fase embrionária. A Presidência da República era de Luiz Inácio Lula da Silva que, em seu segundo mandato, começava a se preocupar com as denúncias de corrupção no país. Foi o ano em que o Supremo Tribunal Federal decidiu transformar o Inquérito 2.245 na Ação Penal 470, o conhecido processo do mensalão, a antessala da “lava jato”.

O julgamento levou cinco dias e foi conduzido pela ministra Ellen Gracie, primeira mulher a integrar a corte e a presidi-lo, de 2006 a 2008.No primeiro Anuário da Justiça Brasil, o perfil de Dias Toffoli encontrava-se nas páginas dedicadas à Advocacia-Geral da União. Acabava de assumir o comando da instituição,sob protestos dos advogados públicos, que queriam um membro de carreira a chefiá-los.

Ali também tinha origem o Ranking de Inconstitucionalidade, feito com base nas ADIs julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. O primeiro levantamento mostrou que de cada quatro leis julgadas pela corte três foram declaradas inconstitucionais. Ao todo, 127 normas foram analisadas e 96 delas estavam em desacordo com a Constituição Federal. Dez anos depois, no ranking de 2017, apenas 62 leis foram julgadas no mérito pelos ministros e 41 foram retiradas do ordenamento jurídico pela corte. Ou seja, de cada três normas, duas desrespeitavam a Constituição.

De lá para cá, a ConJur apostou em novas edições do Anuário da Justiça. Além da cúpula do Judiciário, em Brasília, passou a perfilar os desembargadores de São Paulo, do Rio de Janeiro e de todas as cinco regiões da Justiça Federal. Investiu também no Justice Yearbook, a versão em inglês do Anuário da Justiça Brasil. O que no início parecia uma ousadia tornou-se uma tradição. Em 2017, o Anuário da Justiça está consolidado e já tem a sua própria história: são 44 edições, 12.588 páginas, mais de 1,5 mil perfis e fotografias publicados.

Mas não foi sem obstáculos que a publicação percorreu o seu trajeto. Foi difícil acreditar, por exemplo, que o Anuário da Justiça São Paulo deixaria de ser um projeto. Se ainda hoje há quem diga que o Judiciário é um poder fechado e conservador, em 2008 o cenário era ainda pior. Já com a equipe em ação no tribunal, nas sessões de julgamento, em entrevistas com os desembargadores e em contato com a assessoria de imprensa em busca de informações, o então presidente do TJ-SP entendeu que a ConJur precisaria de autorização do tribunal para escrever sobre a corte. E, em mensagem encaminhada a todos os desembargadores, recomendou que não dessem entrevista à equipe de jornalistas.

Alguns desembargadores tiveram receio de dar entrevista. Muitos já conheciam o trabalho do site e decidiram colaborar com a publicação, que seria o primeiro retrato da Justiça paulista, que presta um serviço público em sessões públicas de julgamento. O prazo de fechamento dos textos não foi cumprido pela equipe. Mas, mesmo com atraso, as 308 páginas de informações sobre desembargadores e câmaras de julgamento foram para a gráfica.

O lançamento, em setembro de 2008, teve a presença de integrantes da corte como Celso Limongi e Nelson Calandra, do presidente do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, do Superior Tribunal de Justiça Cesar Asfor Rocha, do advogado-geral da União Dias Toffoli, de representantes da advocacia como o então presidente da OAB-SP Luiz Flávio Borges D’Urso, da defensora pública geral Cristina Guelfi, dos secretários do governo de São Paulo Luiz Antonio Marrey e Ronaldo Marzagão.

Com as informações apuradas, o Anuário conseguiu traçar um perfil dos integrantes do TJ-SP em 2008. “O desembargador paulista tem 59 anos de idade, nasceu na capital, é casado e formou-se na USP. Não teve tempo para fazer pós-graduação, não dá aulas nem tem livro publicado. Trabalha muito, porque seu tribunal está entupido de processos. São 56 Antônios, 50 Josés e 40 Luíses ou Luizes e 29 Carlos.” Hoje já é possível perceber mudanças nesse perfil. A Escola Paulista da Magistratura passou a investir muito em cursos de pós-graduação, que têm feito juízes e desembargadores a voltar para a sala de aula, por exemplo. Desde então, oito edições do Anuário da Justiça São Paulo foram publicadas.

Dois anos depois a ConJur decidiu investir no segundo maior Tribunal de Justiça do país, o do Rio de Janeiro. A corte comemorava a redução do acervo da corte de 916 mil casos para pouco mais de 130 mil, impulsionada pela Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça. No ano anterior, em 2009, o CNJ definiu pela primeira vez metas a serem seguidas pelos tribunais, com o objetivo final de dar maior celeridade aos julgamentos e melhorar a prestação jurisdicional. A Meta 2 estabelecia que os tribunais deveriam identificar e julgar até o final do ano de 2009 todo os processos distribuídos até o fim de 2005.

A composição do TJ-RJ passou por uma renovação de quase 40% nas últimas cinco gestões. Setenta desembargadores que estavam na primeira edição do Anuário da Justiça Rio de Janeiro se aposentaram. E este número seria ainda maior não fosse a Lei Complementar 152/2015, que ampliou a idade máxima de permanência no serviço público. Lá em 2010 a corte era formada por 20 câmaras cíveis e oito criminais. Hoje, permanecem as 8 criminais, mas a área cível ganhou outros sete colegiados, incluindo as cinco câmaras especializadas em matérias de consumo, a grande novidade no período – e que hoje respondem por parte substancial da demanda.

Há nove anos, o Tribunal de Justiça fluminense encontrava-se em ótima situação financeira e investia na sua expansão, com a construção de prédios para abrigar as câmaras criminais e os gabinetes de seus desembargadores. O fundo especial para investimentos, gerenciado pela própria corte, reunia verbas de concursos, custas judiciais e também de taxas judiciárias. A folha de pagamento era de responsabilidade do governo do estado. O TJ-RJ já havia emprestado recursos para o Executivo construir três casas de detenção no interior. Em 2016, o mesmo fundo de investimentos teve de ser usado para quitar a folha de pagamento da corte. Em junho, o governador decretou estado de calamidade pública e passou a atrasar os salários dos servidores de todo o estado.

O Justice Yearbook e o Anuário da Justiça Federal em pouco tempo terão a sua sexta edição. No dia 30 de junho, aConJur enviou para a gráfica a versão em inglês do Anuário da Justiça Brasil 2017, editada para levar a Justiça brasileira a juízes, advogados e empresas estrangeiras. Em agosto, será a vez do Anuário da Justiça Federal. Ao longo de julho a equipe vai terminar as últimas apurações, checar as estatísticas de 2016 e do primeiro semestre de 2017 para atualizar as páginas das turmas e perfis dos desembargadores dos cinco Tribunais Regionais Federais.

Em 2012, ano da sua primeira edição, o Anuário da Justiça Federal trazia um mapa para ilustrar a Proposta de Emenda Constitucional 544/2002. A ideia era criar outras quatro regiões, principalmente para descentralizar os processos da 1ª Região, que tem sede em Brasília e atende estados do Norte, do Nordeste, do Sudeste, além do Centro-Oeste. Em 2013, a proposta foi transformada em Emenda Constitucional 73/2013. Um mês depois, o ministro Joaquim Barbosa suspendia liminarmente a emenda e até hoje o caso não foi levado ao Plenário do Supremo Tribunal Federal. Ultimamente, mais do que a expansão da Justiça Federal, a preocupação dos TRFs é com a aplicação do novo Código de Processo Civil, que, para alguns desembargadores, tem aumentado o tempo do processo e exigiu mudanças internas para o seu cumprimento.

Ao longo dos anos, o Anuário da Justiça já teve nove versões. Cinco delas resistiram graças aos seus anunciantes, aos seus leitores e também à colaboração do Judiciário. O Anuário da Justiça Brasil tem o apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) desde o seu início até hoje.Única publicação do gênero de que se tem conhecimento em todo o mundo, o Anuário entrou na agenda da comunidade jurídica e tornou-se um produto de utilidade pública, com o duplo papel de proporcionar maior transparência aos atos do Judiciário e de facilitar o acesso do cidadão à Justiça.

Lilian Matsuura é editora do Anuário da Justiça.