01/08/2017 Ano XX
ConJur traduz o juridiquês, como testemunha e analista dos fatos recentes
*Texto escrito pelo ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, especialmente para a comemoração dos 20 anos da ConJur:
“A história é um labirinto.
Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está.
Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la nós mesmos.
O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum”.
Norberto Bobbio
Corria o ano da graça de 1997.
O ano começou na quarta-feira, sinal de bom agouro, e já no mês de janeiro tomou posse Bill Clinton em seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos da América.
Naquele ano de 1997, contrariando o prognóstico inicial, a trágica morte da princesa Diana marcou o mundo — por coincidência, no mesmo ano em que se decretou o fim do império britânico —, assim também a dor da perda de Madre Teresa de Calcutá, em meio à crise econômica asiática que balançou as bolsas de valores do planeta.
Em meados do primeiro semestre, em terra Brasilis, inúmeros protestos de ruas eclodiram e houve a aprovação da Emenda Constitucional permitindo reeleição para os cargos de prefeito, governador e presidente da República.
Nos desvãos da história, porém, nem tudo estava perdido. Sob as bênçãos do papa João Paulo II — que pela terceira vez visitava o Brasil —, em 1997 a revista eletrônica Consultor Jurídico (ConJur) fazia sua estreia e preenchia uma lacuna na área do Direito, segmento sempre avesso a mudanças e avanços tecnológicos.
Tudo que de mais importante aconteceu no mundo do Direito — e adjacências — nos últimos 20 anos, passou pelas telas da ConJur. Sua história se confunde com a da própria internet no Brasil.
O pioneirismo, somado à capacidade de congregar de seu idealizador e mentor, jornalista Márcio Chaer, mudaram a face da cobertura jornalística relacionada ao cenário jurídico no Brasil.
Ganhador de diversos prémios de jornalismo, a ConJur publica também o Anuário da Justiça, guia indispensável para se conhecer os Tribunais Superiores em Brasília.
“A revista inventou um jeito de falar de Justiça”, disse o Diretor Executivo Maurício Cardoso, em interessante artigo sobre a história do site, por ocasião dos 15 anos.
Naquele momento, já era muito expressivo o números de leitores:
Quinze anos depois e já com instrumentos de medição de audiência mais precisos, dá para dizer que a ConJur conquistou um lugar de destaque na internet. Segundo o Google Analytics, em junho último, foram visualizadas 3,5 milhões de páginas da ConJur por 837 mil visitantes únicos (leitores que retornaram pelo menos uma vez ao site no mês). Notícias do site são citadas pelas maiores publicações do país e algumas vezes por internacionais como o Wall Street Journal, o Financial Times e o New York Times. Pelas informações do Google Analytics, este site é visitado por internautas de cerca de 130 países.
No último ano (de julho de 2016 a data de hoje), foram 23 milhões de leitores, um aumento de 16,3% em relação ao mesmo período anterior.
Outro texto muito interessante sobre a história da revista foi escrito por Rodrigo Haidar, também por ocasião dos 15 anos.
Naquele relato, recheado de sentimento, o jornalista não listou um caso que, tempos depois, me confidenciou e achei extremamente pitoresco, e que ilustra o alcance da ConJur.
Rodrigo publicou no site uma reportagem, em 2006, onde exibe vários exemplos de como a Justiça provoca muito mais mudanças sociais com suas decisões do que as leis. Entre os vários exemplos citados, um dizia respeito às decisões que reconheceram o direito de pensão por morte de companheiro homossexual. Dias depois da publicação, um senhor de uns 50 anos procurou-o para contar sua história. O companheiro dele havia morrido não fazia muito tempo e o INSS tinha negado o direito à pensão. Após o relato, o jornalista disse que iria escrever a história. O cidadão, então, perguntou: “Mas, doutor, quanto o senhor irá me cobrar?”. E ele respondeu: “Nada. Nós não cobramos para publicar os textos”. Ele se assustou: “Publicar? Não! Eu quero um advogado para entrar com ação contra o INSS. Você não é advogado?”.
Não foi a primeira nem a última vez, disse Rodrigo, que foi confundido com advogado por causa dos textos.
Realmente, essa simbiose faz a singularidade da ConJur. Eduardo J. Couture assinalou, certa vez, que o intérprete é um intermediário entre o texto e a realidade, pois a interpretação consiste em extrair o sentido correto.
Por isso, a ConJur se converteu em um verdadeiro tradutor dos temas relacionados ao direito, eu acrescento à expressão de Maurício, um “jeito muito diferente de falar de Justiça”, de abordar os assuntos jurídicos, absorvendo a instantaneidade da internet.
Nos dias de hoje, a revista eletrônica tem uma múltipla atuação. Tanto apresenta as notícias jurídicas em tempo real, como também proporciona análise densa e com muito conteúdo em diversos temas do momento. Tem colunas especializadas em inúmeros ramos do Direito, e no final do ano apresenta os já conhecidos balanços em cada área e segmento, com abordagem também no âmbito do STF, STJ e demais tribunais superiores.
Em relação especificamente ao Poder Judiciário, é sabido que a partir da Constituição cidadã de 1988, por um lado, assegurou-se amplo acesso à Justiça; por outro lado, há o crescimento exponencial de demandas judiciais sobre as mais diversas controvérsias, sendo a “judicialização” uma característica desse fenômeno.
São números já bastante difundidos, cerca de 100 milhões de processos em andamento no Brasil — um processo para cada dois habitantes —, com taxa de congestionamento do sistema judicial superior a 70%.
Enquanto isso, a visibilidade do Judiciário chega às alturas, com a pertinente discussão atual acerca de seu verdadeiro papel, independência e ativismo. Judiciário independente? Para que e para quem?
Na verdade, desde o pós-guerra, o Judiciário é um Poder em busca de sua verdadeira identidade. Concebido para solucionar demandas individuais e entregar a cada um o que é seu, cada vez mais se encontra envolvido nas demandas coletivas, com alteração visceral no conceito do que é a verdadeira justiça nos tempos pós-modernos.
Estas nuances não passaram desapercebidas pela ConJur, testemunha e analista dos fatos recentes.
Que venham os próximos 20 anos!