07/08/2017 Ano XX
Ao se virar para onde ninguém olhava, ConJur mudou o noticiário sobre a Justiça
“A popularização do CD-ROM e o amadurecimento da produção indicam futuro promissor”, noticiava o jornal O Globo. Na Folha de S.Paulo, uma reportagem dizia que “cada vez mais, universidades, escolas e empresas estão reformulando suas metodologias de ensino para tirar proveito da rede mundial Internet”. Os jornais datam de 28 de julho de 1997, dia em que foi lançada a revista eletrônica Consultor Jurídico.
Agora, os computadores mais modernos sequer têm entrada para CD e escolas inteiras existem só na rede, sem sede física. Em 20 anos, a internet mudou o mundo e o mundo mudou sua forma de lidar com a rede. E gosto de pensar que a ConJur participou de ambos os movimentos.
Eu, à época da inauguração do site, tinha 10 anos. A internet só chegou lá em casa em 1999 (discada, que só podia conectar de madrugada ou aos fins de semana, quando ficava mais barato). Lá pelos 15, aprendi a fazer sites rudimentares, com uma programação simples, o que me rendeu uns trocados durante a faculdade. Pai e mãe advogados, descobri a ConJur com e-mails deles me alertando sobre notícias importantes. Entrou no meu radar.
O site explicava o que o noticiário geral deixava passar. Comecei a acessar para tirar dúvidas, mas logo serviu para sugerir reportagens para os veículos em que eu trabalhava. O desdobramento de uma decisão noticiada pela ConJur de que alcoólatras não poderiam ser demitidos por justa causa me rendeu chamada de capa na Folha de S.Paulo. E finalmente, em 2011, subi as escadas da casinha no número 23 da Vila Madalena.
A ideia do site se inspira no humor do Millôr Fernandes, explicaram Maurício Cardoso e Márcio Chaer, diretores da ConJur: quando todo mundo estiver olhando para um lado, você ousa olhar para o outro. E desde 2012, quando assumi a chefia de redação, tentei fazer disso um mantra.
Isso rendeu situações inusitadas, como quando a imprensa inteira noticiava uma das condenações do deputado Paulo Maluf, afirmando que ele estaria inelegível a partir de então. Não estava. E a gente deixou isso claro na nossa reportagem. Em cerca de meia hora, os sites dos principais jornais do país tiveram que mudar suas manchetes. Minutos depois, o próprio Maluf (doutor Paulo, dizia a secretária) liga para a redação rasgando elogios. “É o único veículo que vai atrás da verdade”, dizia, com seu sotaque peculiar.
A onda do mensalão
Foi em 2012 que a imprensa de forma geral parece ter entendido a necessidade de explicar o que se passava dentro dos tribunais, compreender as decisões, os pedidos e as funções de cada um dos atores: advogado, Ministério Público e juiz. Começava a ser julgado no Plenário do Supremo Tribunal Federal a Ação Penal 470, o processo do mensalão. Enquanto os demais veículos criavam equipes e enviavam colunistas para acompanhar o julgamento ao vivo, o jornalista Rodrigo Haidar já estava lá pela ConJur e conhecia muito bem, além dos ministros, a liturgia.
Finalmente estávamos no meio de uma concorrência realmente acirrada por notícias. Todos estavam disputando a bola no campo em que antes jogávamos quase sozinhos. E o mantra de olhar para o outro lado ficou ainda mais essencial para nossa sobrevivência. A condenação do ex-ministro petista José Dirceu no mensalão, por exemplo, era a manchete obrigatória para todos os jornais do país. Mas como olhar para o outro lado? Aprofundar a discussão. Ir mais longe e, em vez de discutir quem merece ou não ser preso, explicar o precedente criado com o uso da teoria do domínio do fato pelo STF.
Desde então, os tribunais passaram a ocupar diariamente grande espaço nos jornais, muitas vezes nas chamadas principais. Motoristas de táxi e barbeiros puxam assunto falando sobre ministros do Superior Tribunal de Justiça (não são mais só os 11 do STF na mira da população). E a popularização fez mais gente bater à nossa porta virtual buscando informações para entender esse mundo.
O movimento fica claro nos números do site: no último mês de maio, 3,5 milhões de pessoas acessaram o site e visualizaram 14,7 milhões de páginas. No mesmo período em 2012, o número de usuários era de 944 mil e as páginas vistas chegavam a 3,9 milhões. Ou seja, mais do que triplicamos de tamanho em cinco anos. Nas redes sociais, mais de meio milhão de pessoas seguem nossas publicações diariamente, comentando, curtindo e compartilhando.
Sempre buscando ser útil a cada um desses leitores, publicamos mais de 165 mil textos, entre notícias, artigos e entrevistas com grandes nomes do Direito. Disponibilizamos ainda um arquivo de mais de 21 mil decisões judiciais, petições e outros documentos oficiais.
Outra “lava jato”
Mais de 3 mil textos publicados pela ConJur nos últimos três anos fazem referência ao caso que dominou o noticiário geral, a operação “lava jato”. A investigação de crimes envolvendo a Petrobras não parou mais de se desdobrar em novas ações. O caso alçou ao posto de “heróis” o juiz Sergio Moro e os membros do Ministério Público Federal encarregados das acusações.
Novamente, a máxima de olhar para o outro lado fez com que nossa cobertura se distanciasse da geral. Coube à revista eletrônica Consultor Jurídico mostrar que Moro grampeou o telefone central do escritório do advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a pedido do MPF. A reportagem foi compartilhada mais de 155 mil vezes em redes sociais. Depois da notícia, Moro disse que não sabia de tal grampo. Mostramos, então, documento da operadora de telefone, que havia sido enviado ao juiz, informando que o número pertencia ao escritório Teixeira Martins Advogados. Em ofício ao STF, Moro insistiu que só havia notado o problema após a publicação da reportagem.
Outro “furo jornalístico” que chegou às nossas mãos durante a operação foi a gravação mostrando procuradores de Justiça ameaçando testemunhas do caso. Essa também fez barulho, foi replicada pelo menos 195 mil vezes no Facebook. As gravações, publicadas com exclusividade, mostram os membros do MPF tentando induzir o depoimento de um homem que mora perto do sítio de Atibaia, usado por Lula, ultrapassando a fronteira entre argumentação e intimidação.
A revista eletrônica também pensou no leitor ao sair da cobertura factual e elevar a discussão teórica sobre o caso. O repórter Sérgio Rodas analisou todos os acordos de delação da “lava jato”, as leis que regem as colaborações premiadas e fez uma série de entrevistas para concluir que os acordos violam as leis e a Constituição.
Afetos e desafetos
Entre as dores do crescimento, principalmente quando se é um veículo de imprensa, é virar alvo daqueles que se incomodam com as notícias. E quando se lida com a comunidade jurídica, os processos aparecem como se fossem a via natural para resolver qualquer problema. Muitas vezes, antes mesmo de um simples telefonema.
Um dos casos que levou o nome da ConJur e o meu ao banco dos réus foi uma notícia que contava como o dono de um dos escritórios com mais advogados no país, Carlos Roberto de Siqueira Castro, assinou, como procurador de uma empresa, a quitação de uma dívida de R$ 8,7 milhões. O problema é que a companhia credora afirma nunca ter visto a cor do dinheiro, bem como nunca ter dado autorização para o advogado falar em nome dela. A empresa disse ainda que o documento foi falsificado para simular que a dívida já teria sido paga.
Lembro de ter ligado para o escritório antes de publicar a notícia e recebido a informação de que a resposta viria por e-mail. Realmente veio: diziam que não poderíamos noticiar o caso. “A inobservância desta notificação importará em imediata responsabilização civil e criminal contra os responsáveis desse periódico”, ameaçaram, em juridiquês.
A reportagem saiu. Tempos depois, chegaram os processos. Ações penais, por crimes contra a honra, e cíveis, pedindo indenizações por danos morais. Até agora, ganhamos em todas as instâncias, representados pelo advogado Alexandre Fidalgo, especialistas na área, verdadeiro cavaleiro da liberdade de imprensa nos tribunais. Mas como processar desafetos não custa nada para donos de escritório, os recursos seguem na Justiça.
Para cada desafeto que se faz na profissão, no entanto, é possível contar uma centena de amigos, boas fontes e pessoas interessantes que só conheci porque estava representando o maior veículo de notícias jurídicas do Brasil.
Quando o então vice-presidente Michel Temer deixou claro que havia desembarcado do governo Dilma Rousseff, divulgando uma carta na qual dizia ser um “vice decorativo” e dando a entender que trabalharia com aqueles que queriam derrubar a presidente, eu estava no gabinete do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, aguardando uma entrevista.
Levei um chá de cadeira. Adams era um dos ministros mais próximos de Dilma e foi chamado às pressas para o Planalto, para bolar a estratégia para evitar que o impeachment ganhasse força com aquilo. Três horas depois do combinado, nossa entrevista saiu. Ele estava sob uma pressão inimaginável. Eu, ávido por informações. Ambos nos exaltamos na entrevista. Até a responsável por transcrever o áudio me perguntou: “Você pode falar assim com ele?” O momento permitiu.
Adams se junta a uma lista de personalidades que tanto me auxiliam concedendo entrevistas, emprestando suas opiniões e me ajudando a esclarecer um pouco do mundo. Nós, jornalistas, somos eternamente dependentes de nossas fontes. E dos leitores.
Olhando em retrospectiva, parece que fizemos muito, e é muito, mas a quantidade de notícias escondidas em processos nos tribunais brasileiros, aguardando serem descobertas, beira o infinito. Nos 20 anos da ConJur, tudo o que eu posso desejar é vida longa a este projeto. Essa foi apenas a estreia. Muito obrigado pela sua presença.